Carta aberta para os leitores

Morei quase a minha vida toda no mesmo lugar. Quando finalmente me mudei, me emporcalhei de expectativas a cerca de como o lugar novo seria, mais precisamente, de como as pessoas seriam. Bateram literalmente a porta na minha cara no primeiro “boa tarde”. Nos mandaram entrar em casa pela porta de serviço. Mas eu fiquei muito tempo com sorriso no rosto, e com a máscara, elogiaram meus olhos. Até que agora, entro e saio sem falar com ninguém.

Não é sobre “não crie expectativas”, se era essa a sua conclusão. Eu mesma tenho várias expectativas de vida. Normalizarem o uso de pijamas na rua, fim do capitalismo, que o Lula ganhe as eleições em 2022, que tenham eleições em 2022, que eu tome a vacina (essa se concretiza mês que vem, nunca falei mal do Dudu nesse site), entre várias outras. Me canso antes do fim do segundo paragrafo quando escrevo esse tipo de texto. Não gosto desse moralismo vigente desde sempre. Não acho que alguém goste. Se você diz que não julga ninguém, que não cria expectativas, que não sente inveja ou só um “gratidão”, eu já te julgo mentiroso.

É inerente ao nosso ego tentar suprimir esses sentimentos, e eu sou do time que diz ser necessário reconhecer para melhorar. Dessa matéria eu só me recordo de maiêutica, o que integra a importância da filosofia no ensino médio. Indo direto ao ponto, eu sei que você cria expectativa sobre o mundo e as pessoas ao seu redor, e que bom que elas se quebram, imagina o inferno que seria se todos atendêssemos as expectativas uns dos outros, nos anularíamos.

Dito isso, sinto que minhas crônicas e narrativas se tornaram cartas abertas para pessoas específicas. Quando me dizem que não posso falar, escrevo aqui para vocês, mesmo quando as coisas não são tão interessantes assim, mesmo quando vocês me aplaudem menos. Quero me livrar dessa expectativa que tenho diante de vocês, enquanto pessoa que escreve. Quero que vocês se livrem das expectativas que existem diante de mim. Eu não sei mais ser relatable como no início, nem sei se quero. É exaustivo tentar escrever algo interessante o tempo todo, quando tudo que eu quero é só escrever.

O bom de quebrar expectativas é que não existe nada a ser esperado. E isso sim eu acho que vocês vão se identificar: Não quero que ninguém me cobre nada, mas quero esperar tudo de todo mundo. O que difere, talvez, é que acabo escolhendo me decepcionar o tempo inteiro. Fico me perguntando se vocês diferem expectativas de limites. Demorei muito para entender que o outro não atender a minha expectativa era completamente diferente do outro me destratar, então passei muito pano para quem não merecia. Confundi muito o que eu esperava e a falta de respeito total alheia. Será que sabemos definir limites?

Eu não sabia. Agora me sinto muito melhor que ontem. Digo até onde podem ir, tento não criar cenários mirabolantes na minha cabeça para que o outro alcance. Continuo criando expectativas, claro. Espero que vocês também. Faz parte de criar sonhos, de concretizá-los. Faz parte de ver um outro mais bonito também, de ver as melhores possibilidades nos outros. E se consigo fazer isso com os outros, consigo fazer isso comigo também.

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